quinta-feira, 29 de maio de 2008

Não é mais uma de amor! - parte 2

Nos poucos passo que separavam João Victor do portão da casa onde acontecia a festa, parou e revisou seu plano de conquista, que traçara durante a viagem do segundo ônibus, detalhadamente. Sabia exatamente como iria agir com Raquel. Não podia se dar ao luxo de jogar tudo fora. Respirou fundo e entrou na casa.

Já de cara, avistou umas garotas bem alegres dançando com copos de cerveja nas mãos, enquanto alguns caras tocavam violão sentados numa roda. Na cozinha, algumas garrafas de vodka vazias estavam sobre a mesa, onde havia um rapaz, aparentemente bêbado, preparando drinks no liqüidificador.Seguiu caminhando casa a dentro até sair pela porta dos fundos. Lá deparou-se com um pátio grande onde havia muita gente. Tirando algumas pessoas do curso, não conhecia quase ninguém, lá. Olhava para todos os lado para achar Raquel. E finalmente, perto da churrasqueira, encontrou-a de pé a conversar com alguns colegas. Aproximou-se e cumprimentou todos.

- Oi, João! Que bom que tu veio! – Raquel dizia sorridente.

Logo estenderam-lhe um copo com cerveja. Não gostava de bebidas alcoólicas. Preferia suco de groselha ou abacaxi com hortelã, mas bebericou um pouco, afinal queria impressionar a garota.
Seguiram conversando durante um tempo, até que a banda cover de Los Hermanos subiu no palco improvisado na garagem. Imediatamente a multidão de jovens alcoolizados e sexualmente ativos avançou em direção aos músicos.

- Ai, meu Deus! A banda começou a tocar!!! Vamos lá... – Exclamou Raquel, correndo na direção do som e arrastando João pela mão.

Eles pararam atrás da multidão, que pula e cantava ao som da banda.

- Não to conseguindo ver nada! Vamos mais pra frente! – gritou Raquel no ouvido de João.

Embrenharam-se em meio ao povo, esquivando-se de pisões e empurrões, até que acharam um bom lugar onde podiam ver a performance do grupo. Como era maior que Raquel, João posicionou-se atrás da garota para evitar que ela se machucasse com a movimentação daquela massa de gente.

Estava bem naquele lugar... Podia sentir todo o doce perfume da menina. Sentia-se forte, protegendo-a. Sentia-se importante... O macho dominante protegendo seu território. “Assim que o show terminar eu vou beijá-la.”

Raquel virou-se para João e puxou sua cabeça em direção à sua, e João sentiu seu coração pular freneticamente na sua garganta. A garota aproximou seus lábios próximos ao ouvido dele e disse:

- Olha só... Acabou a cerveja! Vamos lá buscar mais. Tomara que na volta a gente consiga voltar pra este lugar.

Voltando à realidade, João recompôs-se e disse:

- Não. Fica tu aí guardando nossos lugares que eu vou lá buscar mais bebida pra gente!

- Ai, João... Como tu é querido! – a garota falou, beijando-lhe o rosto.

O rapaz, incrivelmente feliz e extasiado pelo beijo da garota, tomou o rumo em direção à cozinha. No caminho, ia driblando a selva de gente como se estivesse em uma expedição no meio da mata atlântica. Levou algumas cotoveladas, alguns pisões... Mas não sentiu dor alguma, porque nada mais parecia afetá-lo.

Ao chegar na cozinha, encheu dois copos bem cheios de cerveja. Estava nervoso e sentia que uma crise de asma estava por vir. Sentou-se em um banco e procurou se acalmar, respirando fundo. Mas a iminência de um contato mais íntimo com uma mulher não o deixava relaxar.

O tal cara bêbado, que preparava as bebidas, notou que João estava nervoso e disse, estendendo um copo com um líquido escuro dentro:- Aê, rapá! Toma um gole disso que tu vai ficar melhor!

- Oh... O que é isso? – perguntou, levando o copo ao nariz e sentindo o cheiro forte da bebida.

- É meu preparado especial! Com isso aqui tu vai relaxar e ficar na mó vibe!

- “Mó vibe”, é? Ok...

Empinou o copo e deu um bom gole. Sentiu aquele líquido queimando sua garganta e descendo pelo seu esôfago, fazendo suas entranhas revirar. Tossiu. E após um minuto, já estava melhor. Um pouco tonto... mas bem melhor do que antes! Já conseguia respirar tranqüilamente.

Se deu conta de que havia deixado Raquel esperando. “Droga!”. Levantou-se e tonteou mais ainda. Agarrou as cervejas e correu em direção à garota. Chegando na garagem, mais uma vez teve de lutar contra aqueles selvagens que não paravam de pular aos acordes dos instrumentos.

No último obstáculo superado, João conseguiu encontrar Raquel sem ter desperdiçado muita cerveja, porém uma triste cena projetava-se à sua frente. Raquel não estava sozinha.

Continua...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Não é mais uma de amor! - parte 1

João Víctor, ou "Victinho" como sua mãe o chamava, não era um garoto normal. Asmático, passou a infância toda evitando esportes, ficando de lado nas horas de brincadeiras com os colegas. Míope, era chamado de "quatro-olhos" pelos meninos mais velhos da vizinhança. Com suas botas ortopédicas, corria o seu mundo particular dentro de seu quarto. Cresceu sem muitos amigos. Os poucos que possuía eram virtuais. Passava horas e horas diante da tela do computador, em chats e jogando RPG online. Esse era seu mundo. "Sou o Grande Güngnir, o Imperador de Asgard!".

Ao terminar o segundo grau, veio a época dos vestibulares. Horas e mais horas atrás de montanhas de livros de física, matemática e química, sem saber o que realmente queria cursar. A idéia de fazer cursinho pré-vestibular não o agradava nem um pouco. "Muita gente sem vontade de estudar..." Foi nessa época que, vasculhando os cantos obscuros da biblioteca pública, descobriu os grandes escritores da literatura: Fernando Pessoa, Saramago, Byron, Shakespeare, Machado de Assis, Augusto dos Anjos, Garcia Marquez... Despertado para o mundo literário, lançou-se ao abismo das palavras. "Vou ser escritor!". Seu mundinho nerd já não era suficiente para sua ânsia de conhecimento, e a cada novo livro lido, a vontade de ler crescia mais e mais. A vontade de conhecer à fundo literatura foi tanta que decidiu: "Vou fazer letras!"

Aprovado pela universidade federal, o mais novo calouro da faculdade de letras adentrou o universo acadêmico. Tudo era novidade... Pessoas lendo, debatendo temas polêmicos, manifestando-se à favor de seus direitos, e é claro as festas! Muita bebida, gente dando risada e se divertindo. Já não achava a vida social tão ridícula. Pelo contrário, passou a se interessar pelo contato direto com as pessoas, e não por jogos online e bate-papos de internet. Já havia feito alguns contatos em sua classe. "Amigos reais, afinal!".

Mesmo estando disposto a experimentar coisas novas, ainda sentia-se deslocado e com baixa auto estima. Precisava mudar o visual. Ficar mais descolado... Parecer mais interessante! "Quem sabe ser popular... Quem sabe até arrumar umas garotas!"

Mandou fazer lentes de contatos, cortou o cabelo, compro um tênis all star e umas camisetas polo listradas. Mas não adiantava mudar apenas seu visual, precisava mudar suas atitudes. "Amanhã vou puxar papo com algumas pessoas."

Chegou no centro acadêmico da faculdade e adentrou o recinto. Notou que duas garotas da sua classe conversavam empolgadamente com um veterano, Chegou mais perto para escutar sobre o que conversavam.

- ... esse lance mais introspectivo da Clarice Lispector, tipo, é doido! Saca? – falava Raquel, uma das meninas... a mais interessante.

Foi quando João tentou entrar no assunto:
- Desculpa interromper, mas... eu não pude evitar de escutar o papo de vocês. E eu acho que a Clarice, além de apresentar esse caráter existencial fascinante em suas obras, surpreende também pelo estilo solto, elíptico e fragmentado. Ela se aproxima muito, nesse sentido, à Virginia Woolf e James Joyce... "Saca"?

Os outros três, parados e um pouco atônitos, permaneceram em silêncio durante alguns milésimos de segundo. Assimilavam as informações. O veterano falou:

- Pode crer, bixo! A mulher era foda, véio!

Raquel mostrando-se interessada, perguntou:

- Eu acho que eu faço algumas cadeiras contigo.. Qual mesmo teu nome?

- João Vic... Digo, João. Apenas João! – gaguejou. "Acho que isso vai dar certo!".

Ah, Raquel... Raquel era uma menina interessante. Cabelos castanhos, curtos atrás e com uma franja mais comprida e lisa pendendo sobre seu rosto. Usava óculos retangulares de aro preto. Possuía feições delicadas. Parecia ser inteligente, e o melhor: parecia interessar-se por João Victor.

Em poucos dias, estava inserido naquele grupinho. Estava feliz, pois discutiam seus autores preferidos, já tinha alguns amigos e estava cada vez mais próximo de Raquel. Ainda era um pouco mais esquisito do que os outros, e por vezes, sentia-se um pouco deslocado. Mas fazia um esforço enorme para manter-se na tribo, copiando suas gírias e suas roupas.

Com o passar do tempo, a convivência com Raquel gerou bons frutos: foi convidado por ela para ir em uma festa. "Vai ser legal, João! Vai ter até uma banda cover de Los Hermanos! Bala!!!"

Na sexta à noite, se arrumou e pegou o ônibus em direção à tal festa. Não sabia exatamente o que esperar, pois nunca tinha ido nesse tipo de evento social. "Eu tô preparado? E se ela quiser me beijar? E se eu ficar nervoso e estragar tudo???". O pavor tomou conta de seu corpo. Levantou do assento e gritou:

- Motorista! Pára esse ônibus!!!

Deu o sinal e o condutor parou o veículo. João desceu e, apavorado se sem conseguir respirar devido ao repentino ataque de asma, constatou que não estava com sua bombinha. Com o peito apertado e arfando, tentou se concentrar e respirar lentamente. Aos poucos sua respiração ofegante foi voltando ao normal. Havia controlado sua crise, mas estava longe demais de sua casa, e não sabia como voltar. Só havia uma coisa a ser feita: esperar o próximo ônibus e rumar em definitivo ao encontro de Raquel.

Continua...

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Uma nova canção - parte final

(Ilustração cedida especialmente para este conto pelo artista plástico e ator Ricardo "Caveira" Zigomático - início de uma excelente parceiria)


Após seu amigo ter partido, Marcelo deitou-se na cama e ficou apenas a olhar para o teto. Estava orgulhoso do que fizera, mas sentia um resquício de culpa. Nunca havia sentido isso antes... Gostava realmente da Aline.
Levantou e andou em direção ao armário. Abaixou-se e retirou uma caixa de sapatos velha do fundo. Colocou-a sobre a cama e abriu. Retirou alguns papéis e algumas fotos de dentro. Espalho-as e ficou a fitá-las. Todas fotos de garotas – suas ex-namoradas. Gostara de todas, mas convenceu-se de que ter feito elas sofrer foi necessário. “Mas Aline... Essa, sim, eu gostei! Não vou precisar acabar com ninguém de novo durante um bom tempo!”
Tomou um banho e saiu. Foi ao encontro do resto de sua banda em um bar não muito longe de sua casa. Chegou e cumprimentou todos. Pediram cervejas para comemorar o futuro sucesso da banda.
- Agora vamos começar a tocar nas rádios! Seremos a banda do momento! – exclamou um dos rapazes.
Marcelo riu, mas dessa vez era um riso forçado. Estava desconfortável. Olhou para uma mesa mais afastada e avistou Aline. “Puta-que-pariu! Cidade pequena de merda...” Ela estava a conversar com outra garota. Parecia enraivecida. Gesticulava rapidamente. Tentou ler seus lábios para ver o que dizia, ao passo que se escondia atrás dos companheiros. Porém, uma gargalhada mais alta de um dos amigos fez com que a atenção das garotas fosse focada em sua mesa. Ela tinha avistado-o.
Aline levantou da mesa e veio lentamente em sua direção. A cada passo dela, seu coração acelerava mais. Estava nervoso e sabia que não aquilo acabaria bem.
- Preciso falar contigo! – ela falou
- Ok... – Marcelo respondeu, levantando-se e indo em direção à uma mesa mais afastada.
Sentaram-se em silêncio. Aline não desviava o olhar cheio de fúria dos olhos desconcertados de Marcelo. Ela chamou o garçom e pediu uma cerveja.
- Tudo bem, Marcelo... Se tu não me quer mais, eu aceito. Mas agora tu vai ter que me explicar o que tá acontecendo. Não sou idiota! Eu sei que tu tá me escondendo algo. Fala de uma vez!!!
Pelo tom agressivo da moça, Marcelo sabia que ela não estava para brincadeiras. Sentiu-se acuado, um animalzinho indefeso contra a parede. Não poderia fugir dessa vez.
- Aline, eu gosto muito de ti. Tenho um carinho especial por ti... Acabar contigo me afetou muito mais que eu havia planejado. Pode ter certeza! – declarou Marcelo.
- Como assim “planejado”? Tu já sabia que ia acabar assim? – a garota perguntou surpresa.
Ele acendeu um cigarro e tragou. Respirou fundo. Olhou para as mãos trêmulas e escondeu-as debaixo da mesa. Não queria que ela visse seu nervosismo. Sabia que não havia outra escolha. Resolveu falar.
- Ok. Tu venceu! Nenhuma das outras conseguiu arrancar isso de mim. Eu gosto de verdade de ti, por isso vou te falar.
- “Outras”? Como assim? – Aline indagou cada vez mais confusa.
- Eu tive uma namorada há tempos. Ela me deu um pé-na-bunda e eu fiquei arrasado. Acabei escrevendo uma música pra ela. A música era boa... Boa de verdade! Ali eu decidi compor minhas próprias músicas. Só que depois disso eu não consegui escrever mais. Fiquei frustrado. Minha dor já tinha passado e eu não tinha mais motivos para escrever...
- Tu é maluco, isso sim! O que eu tenho a ver com isso? – a moça interrompeu.
- Acontece que eu percebi que só conseguia escrever quando eu perdia alguém. Isso aconteceu mais duas vezes. O problema foi quando eu arrumei uma namorada que não me largava por mais cachorro que eu fosse com ela! Então eu decidi que eu mesmo acabaria os relacionamentos. Desde então eu conheço alguma guria, namoro uns 3 meses, acabo com ela e escrevo uma música. Sempre foi simples... Nunca expliquei meus motivos. Simplesmente sumia da vida delas. Agora to te contando tudo isso porque acho que de certo modo eu to apaixon...
Antes mesmo que Marcelo terminasse de falar, Aline levantou da cadeira e desferiu um golpe certeiro em seu rosto. Marcelo caiu para trás com cadeira e tudo. O bar todo parou para ver a cena estarrecedora.
Marcelo levantou meio atordoado. Colocou sua mão em seu nariz. Sentiu um líquido denso e viscoso que escorria pelas narinas. “Legal... ela quebrou meu nariz!” Aline pegou sua amiga pela mão dirigiu-se para a saída. Parou, voltou-se para Marcelo e gritou:
- Então eu era apenas isso pra ti: uma dor-de-cotovelo forjada! Boa sorte na tua carreira de músico-de-quinta-filho-da-puta!
As duas garotas foram embora. Os amigos de Marcelo foram acudir o companheiro, trazendo-lhe alguns guardanapos. Marcelo sorriu. Limpou o nariz ensangüentado. Acendeu outro cigarro. Seu nariz ardia por causa da fumaça.
- Porra, Marceleza... Que mão pesada essa mina tem! – um colega comentou.
- São os ossos do ofício, meus amigos. - concluiu.
Uma garota de cabelos avermelhados olhava Marcelo como se estivesse achando graça do ocorrido. Ele levantou e caminhou em sua direção. Puxou uma das cadeiras vazias e sentou perto da garota.
- Ta achando graça de que? É do meu cabelo desarrumado ou da minha calça rasgada? – perguntou em um tom irônico.
- Nunca tinha visto uma briga entre namorados que resultasse num nariz quebrado... Isso é bem incomum. É engraçado! – a ruiva respondeu estendendo um lenço de papel.
- Bem... Ex-namorados. E eu não sou um cara comum!
Trocaram telefones. Marcaram uma saída para o outro fim-de-semana. Marcelo havia conquistado mais uma. “Acho que já tenho outra canção em vista...”. Voltou a sentar com seus companheiros de banda. Precisavam planejar seus planos para o estrelato. “Estamos pintando na área... NX Zero que se cuide!!!”.

Fim.