quinta-feira, 31 de julho de 2008

Alacrán y El Pistolero

Minha história não é bela.
Não lhe peço compreensão, muito menos empatia.
Não existe orgulho neste depoimento, tampouco me arrependo. Quero dizer... Talvez um pouco de arrependimento.
Ma chamo Alacrán. Vivo no quente deserto que circunda o povoado de Santa Fé del Paso, ao norte do México. Não conheci meu pai e nem minha mãe. Sei que possuo irmãos, mas nunca procurei nenhum. Vivo melhor sozinho... Eu sou um solitário por gosto!
Dada noite, eu seguia em minha ronda noturna – nós, moradores do deserto nos contentamos em sair dos nossos abrigos durante a noite estrelada - em busca de alguma caça para comer.
Tudo estava quieto e estranho: os cactos não rangiam, as bolas de feno não rolavam, os chocalhos das cascavéis aquietaram, os uivos dos coiotes cessaram. Despertei todos meus sentidos à procura do inesperado. Mas nada...
Continuei andando e observando as pequenas luzes da cidadela ao fundo. Acostei-me numa pedra para descansar, então escutei um galope apressado ao longe.
Uma nuvem de poeira levantava no horizonte e se aproximava rapidamente. Tratei de me esconder atrás do pedregulho à espreita do cavaleiro que vinha em minha direção.
Quando chegou, o sujeito desceu do cavalo e urinou em uma moita espinhosa à uns cinco metros do meu esconderijo. Após terminar, caminhou lentamente em minha direção, e eu tratei de me armar e me posicionei caso precisasse me defender. Porém o visitante apenas observou Santa Fé del Paso, e nem me notou.
Lembro-me de ter escutado o estranho resmungar algo como "vou acabar com aqueles miseráveis...", antes de puxar e engatilhar um revolver. Subiu em seu cavalo negro e gritou a ordem ao animal, enquanto cravava suas esporas no lombo do bicho, "vamonos, Tornado!" e partiu velozmente em direção ao povoado.
Na nuvem de poeira que baixava a medida em que o homem estranho se afastava, vi uma bolsa de couro caída no chão. Cheguei mais perto para ver o que havia dentro e encontrei um canivete, algumas bolachas velhas e um papel coma as bordas rasgadas onde dizia "PROCURADO VIVO OU MORTO" e logo abaixo mostrava a foto do cavaleiro e anunciava uma boa recompensa. Era chamado apenas como "El Pistolero".
Não me interessava no dinheiro, mas fiquei muito intrigado com isso. Já tive alguns desentendimentos com o povo de Santa Fé del Paso - inclusive já fui expulso de alguns estabelecimentos – mas sempre respeitaram minhas terras e me deixaram em paz. Não desejava o mal daquela gente.
Mesmo que eu corresse para tentar deter o pistoleiro, ou avisar ao povo o perigo iminente que se aproximava, não conseguiria chegar a tempo. Lamentei, mas, mesmo assim, parti em direção à cidade.
Enquanto eu seguia meu caminho, ouvia o som dos gritos e tiros ecoando pelo deserto. Apertei o passo ao ponto de quase atropelar as próprias pernas.
Quanto mais perto eu chegava, mais me intoxicava com a poeira e fumaça vinda da rua principal. Então, finalmente cheguei.
Quase fui atropelado, logo na entrada, pelos cavalos que fugiam dos tiros e do fogo. A mulheres corriam atrás de seus filhos e maridos enquanto pediam socorro à Deus. Era uma calamidade!
Mais perto da praça, em frente à Igreja, alguns homens da vila trocavam tiros com o famigerado pistoleiro. Formou-se um cerco ao meliante que, por sua vez, mirava qualquer um que passasse por ali.
Cuidadosamente, fui me aproximando. Pegaria o bandido pelas costas e daria um fim naquilo. Mas, infelizmente, algum herói desavisado teve a mesma idéia e, afobado e com medo, precipitou-se, atirando-se sobre o assassino na hora errada.
Os dois engalfinharam-se violentamente, aos socos e pontapés, dando tempo da comitiva de bravos moradores entrarem na briga. Eu, em meio àquela confusão, fui empurrado junto dos demais e, em um bote certeiro, atingi o pescoço do maldito pistoleiro.
O Sangue brotou do pequeno orifício no pescoço do infeliz e, em questão de segundo, parou de se mexer. Todos esperaram a poeira baixa e viram que o homem estava caído no chão e eu estava por cima dele em posição de ataque.
Assustados, os homens gritavam e apontavam "Alacrán! Alacrán!". E neste exato momento eu, herói da noite, fui esmagado com fúria pela bota do pé direito do xerife. Virei uma mancha amarelada no peito do pistoleiro.
Sempre fui temido e respeitado pelas criaturas do deserto: pelos corvos, pelas serpente, até pela furtiva tarântula... Acabei morto pelas mãos – pés – de quem tentei defender. El Alacrán lleno de veneno agora era apenas um escorpião desprezível e morto.
Eu disse que minha história não era bela. Mas agora digo - e admito - porque me arrependo: matei o homem errado... Ou melhor! Não existe homem errado para matar! Antes tivesse, eu, ficado em minha toca saboreando um gafanhoto.


(alacrán = escorpião, em espanhol)

Fim.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Roxanne - parte final

Eu, um garoto assustado e bobalhão, não sabia o que fazer. Fiquei parado olhando aquilo. Minha cabeça dizia que eu tinha que fazer algo, mas meu corpo não obedecia. Até que ele deu um tapa na cara dela. Aí eu fiquei nervoso... com raiva! Apanhei a garrafa que eu tinha tropeçado e acelerei em direção aos dois. Quando eu cheguei perto, golpeei com toda a força a cabeça do desgraçado. A garrafa partiu-se em mil pedaços e aquele imenso corpo tombou para o lado, já desacordado. A garota, chorando e muito nervosa, me abraçou.
Eu não sei o que era pior, ela tremendo de nervosismo ou eu com medo de ter matado o homem. Eu me abaixei para ver se o homem estava vivo. Quando aproximei meu rosto, o cara acordou e tentou agarrar meu pescoço, gritando que ia me matar. A moça me puxou pelo braço e saímos correndo rua adentro.
Cansados, paramos perto de uma praça. Ela me olhava e permanecíamos em silêncio. Procurei sorrir para ser simpático, tentei puxar papo. Conversamos um pouco, mas ela precisava voltar. Eu não deixei! Fiquei imaginando que talvez aquele homem ainda estivesse nos procurando. Definitivamente, voltar não era uma boa idéia. E ela concordou.
Então, sei lá porque, eu segurei a mão dela e fomos em direção à quadra seguinte. Procurei um caminho mais longo, porém mais movimentado, para encontrar com os rapazes no bar. Quando chegamos lá, ela não quis entrar. Disse que tinha vergonha dos meus amigos. Eu olhei para dentro do lugar, e eles continuavam lá, cada vez mais bêbados e se divertindo. Nem tinham dado pela minha falta. Meti a mão no bolso e retirei as chaves do Opalão. Entramos no carro e partimos sem rumo pelas ruas iluminadas da grande cidade.
Olha... não sei quanto tempo ficamos ali sentados em silêncio, rodando naquele carro. Nem lembro direito o que eu falei para ela. Mas pouco a pouco ela começou a se sentir segura, confiante. Rimos do que havia acontecido. Disse para ela não se preocupar que aquele cara devia estar tão bêbado, que nem lembraria do que o atingiu na noite anterior. Ela relaxou.
Paramos em uma parte alta da cidade. Podíamos ver todas as luzes lá embaixo. A vista era linda! Sentamos no capo e nos abraçamos. Ficamos em silêncio. Ela levantou a cabeça e me beijou suavemente. Seus lábios estavam úmidos e quentes. Meu coração pulou feito um cavalo selvagem dentro do meu peito. Estava completamente entregue em meus braços. Dei calor ao seu pequeno corpo, e afastei o frio da madrugada por alguns instantes.
Sabe... Até hoje não entendo porque ela me beijou. Acho que ela estava tão carente, que o beijo serviu de agradecimento por eu ter visto que ela era apenas uma garota normal, e não um objeto. Eu não a usei. Não me aproveitei de sua fragilidade. Talvez tenha sido o único a tratá-la bem durante um bom tempo.
Quando ela se deu conta do que havia feio, deu um pulo para trás. Mas já era tarde... eu já estava completamente apaixonado! Ela, então, insistiu para que eu a levasse para casa e, a muito custo, ela me convenceu.
Ela me guiou até uma pequena casa. Disse que morava com uma amiga e que eu não podia entrar. Desceu do carro e virou as costas sem olhar para trás. Fiquei muito chateado... Ela abriu a porta e entrou. Eu virei minha cabeça para frente e dei partida no carro.
Não consegui sair dali. Fiquei com o motor ligado, com os faróis acesos, mas não engatava a marcha na esperança dela voltar. Então ela voltou. Saiu correndo pela porta, descalça, e veio em minha direção. Abriu a porta do carro e pulou para dentro. Deu-me um beijo cheio de paixão. O beijo mais sincero e cálido que eu já recebi. Depois me disse apenas um "tchau" e voltou para casa.
Eu, imensamente feliz, engatei a primeira e acelerei. Acendi um cigarro e coloquei entre meus lábios enormes e felizes. Corri em direção ao bar do Seu Juarez para encontrar com os rapazes. Precisava contar o que tinha acontecido. Liguei o rádio e cantarolei a canção que tocava. "Roxanne... You don’t have to put on the red light "


Fim.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Roxanne - parte 1

(Ilustração cedida especialmente para este conto pelo artista plástico Ricardo "Caveira" Zigomático)


Lembro-me bem daquela noite. Estava fria, e eu e meus amigos dirigíamos um Opala 75 pelas ruas iluminadas da capital. Ríamos, nos divertíamos... Como éramos infantis! Qualquer coisa nos fazia delirar.
Nós éramos como irmãos. Nós quatro andávamos juntos desde o colegial. Aprontamos poucas e boas. As garotas nos conheciam como malandros desajustados. Mas nós gostávamos da fama... e acho que elas também! Sempre havia uma “pequena” por perto.
Boemia! Não sabíamos viver de outro jeito. Nossas vidas eram pacatas, sem muito objetivo. Éramos medíocres no sentido exato da palavra. Nesta época, estávamos perdidos no limbo que separa os jovens do fim do colegial e o início da faculdade. Muitas escolhas eram necessárias, mas fugíamos de fazê-las.
Em certo ponto do nosso trajeto em direção a lugar nenhum, as cervejas acabaram. Precisávamos de mais. Éramos completamente irresponsáveis. Nos revezávamos na direção mesmo estando todos alcoolizados. Mas não nos preocupávamos: éramos jovens. Jovens não morrem jamais!
Enfim... Precisávamos de bebidas! Paramos o carro em uma ruazinha que cortava aquela grande avenida iluminada pelos postes, com corredor de ônibus e onde muitos clubes noturnos ofereciam seus “atrativos”, com pouca roupa e muito carinho para dar. Descemos e fomos caminhando em direção à um boteco na esquina.
O boteco do Seu Juarez era famoso por ficar a madrugada toda aberto, ter mesas de sinuca e vender bebida barata. Entramos e sentamos em uma mesa. Juntamos alguns trocados para comprar uma garrafa de vinho e duas carteiras de cigarros.
Conversávamos sobre futebol, sobre garotas, sobre tudo! Analisávamos cada movimento dos transeuntes que por ali circulavam. Em dado momento, não sei porquê cargas d’água, avistei uma menina. Linda! Vestia uma roupa curta e ousada. Provocava olhares dos que passavam por perto. Era loira, com um olhar tão infantil e ao mesmo tempo tão triste. Fiquei a mirá-la de longe, da segurança da minha calçada e com uma avenida toda nos separando. E ela nem me notava.
A noite ia passando e ela permanecia caminhando de um lado para o outro. Vez ou outra, um carro parava e ela debruçava-se na janela para conversar com o motorista do veículo. Eu só torcia para que ela não entrasse em nenhum automóvel e fosse tragada pela cidade. Não queria perdê-la de vista. Acho que eu estava hipnotizado, ou algo do gênero.
Teve uma hora que não me agüentei e interrompi nosso papo para comentar sobre a garota do outro lado da rua. Todos olharam. Era unânime: nós todos achavam a garota linda, mas estranhamente só eu dei importância para ela. Talvez porque ela não parecesse essas prostitutas de rua que estávamos acostumados a ver por ali. De fato, nunca havíamos visto ela antes.
Enquanto esperávamos uma mesa de sinuca ser liberada, nossa garrafa de vinho secava e nossos cigarros viravam pó no cinzeiro. Até que finalmente conseguimos uma mesa. Nos dividimos em duplas e começamos a jogar. Eu era bom naquilo! Mas eu não consegui me concentrar no jogo... estava errando bastante. Uma hora eu enchi o saco e fui tomar ar puro na rua.
Acendi um cigarro. Olhei para o outro lado da avenida e vi que a garota continuava lá. Não sei o que me passou pela cabeça, mas conferi se os rapazes continuavam jogando e atravessei correndo a rua em direção à moça.
Quando cheguei perto, um estranho nervosismo me impediu de me aproximar dela. Então caminhei mais um pouco, lentamente, como se estivesse apenas passando por ali. Ia olhando para trás para ver se ela me olhava. Acabei tropeçando em uma garrafa vazia na calçada. Ela riu. Tinha um sorriso lindo!
Então eu parei, dei meia volta e caminhei em direção à ela. Foi neste exato momento que um carro parou diante dela e um homem asqueroso saiu de dentro. Chegou perto dela e a puxou pela cintura. Ela fez cara de nojo e tentou se livrar do homem, pedindo para que ele a soltasse. Ela se sacudia e ele começou a ficar nervoso.

Continua...