segunda-feira, 30 de junho de 2008

Monólogo

A campainha toca. Levanta e caminha em direção à porta. Ao abri-la, sorri. “Oi! Achei que não vinha mais... Entra... Senta e fica à vontade!”
Caminha em direção à mesa. Serve um copo de uísque. “Aceita um drinque? Com ou sem gelo?” Entrega o copo com a dose da bebida ao visitante. Senta-se em frente à visita.
“Como vão as coisas? Soube que teu negócio vai bem... E a Marcinha?” Sua expressão feliz não consegue disfarçar seu nervosismo. Após uma longa pausa, com seu olhar fixo no chão e mãos trêmulas, suspira e desabafa. “Não sei o que deu errado. Não era pra ter sido desse jeito... As coisas saíram do controle.” Olha fundo nos olhos do visitante. Seu rosto, vermelho de raiva, vibra no seu grito. “Aquela maldita! Me enganou direitinho! Vagabunda! Teve o que mereceu!”
Põe as mãos sobre o rosto. Esfrega a testa devagar. Solta o nó da gravata. “Tu não acredita, não é mesmo? Acha que eu queria ter feito aquilo...” Levanta e se aproxima. Grita ”Não! Não queria!”
Senta-se. Leva à boca o copo e bebe. Seca os lábios. Seca o suor. Fala amargurado. “Eu amava ela. Mas eu sempre te respeitei! Aquela vagabunda me seduziu... Bem como essas vadias sabem fazer... Tu me entende, não é? Também caiu nessa armadilha! E agora é tarde. Eu sabia que tu vinha... Não quis correr. Não sou covarde! “
Acende um cigarro. Dá uma longa tragada. Bebe mais um gole de uísque. Fala mais calmamente. “Tu tá certo. Têm que fazer o que veio fazer. Não colocarei obstáculo nenhum... Mas pelo menos me escuta: Fiz isso pro teu bem! Ela não era mulher pra ti! Mais cedo ou mais tarde ela ia acabar com a tua vida... Mas ela foi mais esperta... Acabou com duas de uma só vez!”
Olha para cima. Uma lágrima escorre do canto de seu olho. Cheio de ironias, segue. “Mas agora quem está rindo, Beatriz? Tu acabou com as nossas vidas, mas eu acabei com a tua... sua ordinária!” Chora de cabeça baixa, e com a voz embargada, conclui. “Eu não queria que nada disso tivesse acontecido...”
Olha para sua visita, buscando despertar um pouco de empatia. “Não vou pedir pra que tu me perdoe... Só te peço pra tu entender meus motivos! Não posso acabar desse jeito sem que tu me entenda.”
Passa a mão pelos cabelos. Olha para o lado. “Ela nunca te amou. Casou contigo por puro interesse! Todo mundo sempre te disse isso. Inclusive eu! Aí o tempo foi passando... a Marcinha nasceu... Teu negócio começou a falir... Ela ia te largar!”
Constrangido, desvia o olhar. “Ela me procurou. Disse que ia te largar... que as coisas estavam ruins... e que não te amava! Que amava outro! Fiquei puto, né! Afinal tu é meu melhor amigo! Perguntei quem era... ela nem respondeu nada... Foi logo me tascando um beijo! Mas... eu tentei evitar. Juro! Aí ela me disse que sempre me olhou com outros olhos... e que sabia que eu sentia atração por ela. Mas mesmo assim eu mandei ela embora! Ela tirou a roupa e disse que não sairia de lá enquanto eu não fizesse amor com ela. Não pude resistir! Dormimos juntos aquela noite.”
Serve mais uma dose de uísque para si e para o visitante. “Já faz dez anos... Passei esses de dez miseráveis anos encontrando às escondidas com a Beatriz. Ela dizia pra ti que ia encontrar as amigas, e eu mentia pra minha mulher que ia jogar cartas com o pessoal do trabalho. Fazíamos planos de fugir juntos e começar uma vida sem mentiras... mas quando eu tomava a iniciativa de mudar ela dava uma desculpa qualquer pra me dissuadir. “
Engasga com a própria saliva devido ao nervosismo. Sente o suor escorrer pelo seu corpo. “Nos dois últimos meses ela parou com nossos encontros semanais. Disse que estava estressada no serviço, e que tinha muitos afazeres, cuidar da casa, da Marcinha... Sempre me dando uma desculpa mais esfarrapada que a outra!”
Passa a mão no cabelo. Bebe um gole de uísque. “Resolvi seguir a Beatriz. Depois do expediente fui até a tua casa e fiquei esperando dentro do carro. Aí vi ela saindo... Toda produzida! Não se vestia tão bem assim há anos. Nem pros nossos encontros! Entrou no carro e rumou até um prédio. Eu não conseguia acreditar no que via. Ela entrou no apartamento e só voltou duas horas depois.”
Chora compulsivamente. “Fiquei duas horas sentado no carro esperando aquela piranha sair!” Se recompõe. Bebe mais um gole de uísque. Traga seu cigarro. Prossegue mais calmo. ”No dia seguinte marquei um almoço. Ela tentou recusar, mas eu disse que tinha algo muito importante pra falar. Ela aceitou. Durante o almoço ela pouco falou. Ela estava estranha... parecia que sabia o que eu ia falar. Tentei me segurar, mas não pude! Falei que eu a tinha visto na noite anterior. Ela não demonstrou nem um pouco de culpa ou nervosismo... Simplesmente disse que já sabia. Aí eu agarrei o braço dela e perguntem com quem ela tava trepando!”
Um breve minuto de silêncio. Enxugou a testa. “Sabe o que ela me respondeu?” Imitando sarcasticamente a voz de Beatriz, repetiu tais palavras. “Estou apaixonada pelo Rodrigo! Vou fugir com ele. Não agüento mais minha vida ao teu lado e do Antenor!”
Joga o copo contra a parede. Grita. “Aquela vagabunda ia nos deixar, Antenor! Tantos planos, tantos sonhos e ela nos troca por um ‘instrutorzinho’ de academia?” Inconformado, volta a chorar. “Disse que não ia ser tão fácil como ela pensava. Paguei a conta e fui embora. Mas a dor me fez perceber que aquela puta nunca me amou também! Me usou assim como te usou! Porque é assim que essas cadelas vivem: destruindo corações!”
Pega a garrafa de Uísque e bebe um gole direto no gargalo. Tenta pegar um cigarro na carteira, mas já acabaram. Conforma-se. “No desespero, fui ao apartamento do tal Rodrigo. O idiota não tinha trancado a porta, pra minha sorte e o azar dele. Só precisei usar meu cartão de crédito para abrir. Entrei e me escondi no armário. Esperei até a Beatriz chegar com aquele desgraçado. “
Com a voz alterada, descreve a tórrida cena que viu, com um sorriso nos lábios. “Como trepavam, aqueles infelizes, Antenor! Esperei eles terminarem e saí do armário. Nem pensei duas vezes! Antes que aquele filho-da-puta pudesse dizer uma só palavra, meti uma bala na cabeça dele!” Gargalhando, continuou. “Aí a Beatriz implorou... implorou pela sua vida. Disse que me amava ainda e que tinha se dado conta que a vida dela não fazia mais sentido sem mim... Mas... O gatilho disparou quase que sozinho. Era como se Deus em pessoa tivesse usado a minha mão!”
Abriu alguns botões da camisa, tentando ficar mais confortável na poltrona. Com uma estranha frieza, continuou. “Limpei minhas digitais e coloquei a arma na mão do infeliz. O plano perfeito: mulher casada morta pelo amante que não agüentou ser deixado. Bom, não é? Tratei de sair de lá antes que a polícia chegasse. Isso faz duas semanas... Mas tu achou nossas cartas, Antenor... Tu estragou tudo! Agora tu sabe que fui eu... Mas tudo bem! Tem o direito de vir aqui e matar o homem que estragou teu casamento e matou tua mulher.”
Friamente, o sujeito levanta o revolver em direção ao seu anfitrião e, finalmente, fala. “Aquela vadia nunca me enganou! Não vim aqui pra matar o assassino da minha mulher, mas sim pra acabar com a vida miserável de um traidor! É uma questão de honra... Nada pessoal, ok?” Engatilha a arma, e antes de disparar, ri. “Te vejo no Inferno!”
O ruído da espoleta do revólver. Sangue respingado na parede. Garrafa vazia caída no chão. “Todos nos veremos no inferno, meu amigo!”

Fim.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Denominador Comum

(imagem cedida especialmente para este conto pelo artista plástico e ator Ricardo "Caveira" Zigomático)


Ele não entendia as carências dela,
Ela não entendia o individualismo dele.
Ele trabalhava muito,
Ela passava as tardes em casa.
Ele havia parado de estudar,
Ela fazia sua pós-graduação.
Ele gostava de futebol,
Ela gostava de meditar.
Ele possuía amigos em demasia,
Ela confiava apenas nela mesma.
Ele queria viajar,
Ela queria ter filhos.
Ele desejava descansar aos sábados,
Ela queria dançar.
Ele vivia na realidade,
Ela criava seu próprio mundo.
Ele se sentia preso,
Ela se sentia sozinha.
Ele se perguntava se ainda gostava dela.
Ela queria conhecer gente nova.

O tempo...
A festa...
A bebida...
A discussão...

Ele entrou no carro,
Ela chorava muito.
Ele gritava,
Ela tapava os ouvidos.
Ele dirigia rápido,
Ela estava sem o cinto.
Ele não notou o outro carro,
Ela viu a luz no cruzamento.
Ele nem sentiu nada,
Ela agonizou por alguns segundos.

Enfim, algo em comum: Foram velados de caixão fechado!


Fim.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Não é mais uma de amor! - parte final

Petrificado, João limitava-se a olhar Raquel nos braços de outro homem. Estavam engalfinhados como dois lutadores de vale-tudo, só que aos beijos. “What the fuck...?”

Neste instante o casal apartou-se, e a garota olhou para o lado e viu João segurando dois copos de cerveja e com a boca aberta. Dirigiu-se à ele:

- Báh, cara... Tu demorou, heim! Ah... de certo tava dando uns pegas numa menina por aí!

- Oh... Eu... Estava sim. Uhm... óh a tua cerveja! – resignou-se a mentir e a estender o copo com a bebida.

Não podia acreditar que Raquel havia feito aquilo. “Ela me traiu.... ela me traiu...”. Era a única coisa que consegui pensar. Sentia-se usado, traído e humilhado. Foi trocado pelo primeiro que apareceu... Não lhe parecia nada justo.

Virou de costas e seguiu com seu copo de cerveja quente na direção oposta ao público. Achou a saída da garagem e foi para uma parte mais afastada do pátio. Sentou-se escorado no muro e bebeu sua bebida amarga e morna.

Por alguns minutos permaneceu quieto no seu canto. Não havia muita gente por perto, pois todos estavam vendo o show. Isso não o incomodava. Pelo contrário, achava muito bom ninguém notar sua presença.

- Certamente Oscar Wilde nunca passou por uma situação ridícula dessas. – resmungou, jogando seu como plástico vazio no gramado à sua frente.

- Como é que é? – uma garota que passava por perto perguntou dirigindo-se à ele.

João Victor levantou a cabeça e encarou a figura que havia parado á sua frente. Levantou cambaleante, mas pôs-se de pé. Tímido e sem graça, não fitava os olhos da moça. Ele respondeu:

- Eu... eu disse que Oscar Wilde nunc...

- Não foi isso que eu perguntei! Eu disse “Como é que é” porque tu jogou o copo vazio no gramado. Tipo... Sabe quantos anos o plástico leva pra se decompor?

Desconcertado, João sorriu buscando ser simpático. Com os olhos baixos, notou que a garota usava sandálias rasteiras de couro sintético com tiras trançadas que subiam pelos tornozelos finos e delicados. Usava uma saia colorida com lantejoulas que ia da altura dos joelhos e desenhavam contornos psicodélicos até a cintura delgada da moça. A barriga estava à mostra e, um pouco mais para a direita, havia uma tatuagem que não se podia ver na totalidade. Mais acima, a camiseta estilo babylook mostrava, em sua branca transparência, o contorno de seus seios e as delicadas alças do soutien. Seu pescoço longo e esguio estava ornado com um colar de contas coloridas. E, finalmente, olhando para seu rosto, notou o quão belo era. Seus cabelos louros e cacheados estavam presos com uma faixa colorida, contrastando com olhos profundamente verdes.

- Então... Não vai juntar o copo? – a garota perguntou irritada.

- Oh... Lógico! Desculpa... eu não queria... Eu tava um pouco irritado. – respondeu, juntando o copo do chão.

- Olha, meu... Tipo... Desculpa ter sido grossa e pá... Mas é que eu morro de raiva de gente que joga lixo no chão ou faz qualquer tipo de mal à natureza.

- Certo. Tem mais é que chamar a atenção mesmo!

A garota riu. Começaram a conversar. Disse que se chamava Laura. Fazia biologia na mesma faculdade que ele. Era vegetariana e adorava acampar. E João, automaticamente, simpatizou com ela. “Amo a natureza!”.

Fim.